(Artigo publicado originalmente em O Ponto Base, em 3 de Maio de 2013)

E naquele momento, fez-se a luz que iluminou a noite escura da minha alma.

Era o momento mais difícil da minha vida até então, e eu procurava respostas de cunho filosófico, existencial e espiritual que pudessem me guiar através daquele momento tenebroso. Jamais, em sã consciência, poderia imaginar que o insight obtido ali fosse ser transportado, meses depois, para a gestão da minha carteira de investimentos. Não poderia tampouco supor que a partir dessa descoberta eu recuperaria minha saúde, meu precioso tempo, e ainda ganharia de quebra resultados muito mais consistentes ao longo dos anos que viriam pela frente.

E ali, olhando atentamente para aquele símbolo milenar, eu compreendi intuitivamente onde estava errando e o que deveria fazer para começar a acertar. Ao fundo, em uma dessas curiosas sincronicidades que acontecem vez por outra, a voz de Lulu Santos cantava um trecho da música “Certas Coisas”:

“…não existiria som se não houvesse o silêncio, não haveria luz se não fosse a escuridão. A vida é mesmo assim, dia e noite, não e sim…”

Imagem do símbolo do TAO

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Foi nesse momento que eu, inadvertida e intuitivamente, travei contato com o conceito conhecido pelos estatísticos como covariância. Covariância é, em palavras simples, a relação direta entre o movimento de duas variáveis. Ou seja, quanto do movimento de uma delas está relacionado ao movimento da outra.

Para facilitar a compreensão, imagine duas crianças brincando em uma gangorra. Enquanto uma delas sobe, a outra desce, e vice-versa. Desde que a gangorra não se parta ao meio, não há possibilidade das duas pontas do brinquedo subirem ou descerem ao mesmo tempo. O movimento de uma das pontas varia em função do movimento da outra.

O conceito, além de ter se mostrado extremamente útil em muitas outras áreas da minha vida (que no momento não vem ao caso), foi transportado para meus investimentos quando vi pela primeira vez um gráfico onde estavam traçados o Ibovespa e o Dólar Comercial, sobrepostos.

Covariância Dólar x Ibovespa

No gráfico abaixo, que engloba o período de janeiro de 1999 até hoje, a linha preta representa a evolução em pontos do Ibovespa, enquanto a linha verde representa a evolução (em Reais) dos preços do dólar americano.

Gráfico mostrando Ibovespa e Dólar com fundos e topos alternados

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Perceba as finas linhas verticais pontilhadas que adicionei ao gráfico. Elas marcam topos e fundos importantes nos dois ativos. Note que esses topos e fundos ocorreram em sincronia, ou seja, enquanto o Ibovespa fazia um topo, o dólar fazia um fundo, e vice-versa. Perceba também que, além dos topos e fundos, na maior parte do tempo, enquanto um dos ativos esteve em tendência de alta, o outro estava em tendência de baixa. Quase como em uma gangorra.

Desenho de um casal de crianças brincando de gangorra

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Dólar e Ibovespa apresentam, portanto, aquilo que os estatísticos denominaram covariância. Isso significa que seus movimentos estão interligados, e que existe alguma relação entre ambos (embora a razão dessa relação seja dinâmica, ou seja, não constante).

Isso ocorre porque no mercado brasileiro, a participação dos investidores estrangeiros sempre foi determinante. Movimentando um volume de recursos muito maior do que os investidores nacionais, os investidores estrangeiros sempre foram “o elefante na sala de estar” do mercado financeiro nacional.

Quando nosso mercado acionário parece oferecer boas oportunidades de compras, esses investidores trazem muitos dólares do exterior para o Brasil, trocam por Reais, e os utilizam para comprar ações. Esse movimento acaba por pressionar a cotação do dólar para baixo (devido à maior oferta), e elevar as cotações das ações (devido à maior procura).

Quando o cenário se inverte, os estrangeiros vendem suas ações e utilizam os ganhos para comprar dólares, pois precisam remeter seus lucros de volta para o exterior. Nesse momento, a dinâmica se inverte, com o preço das ações caindo, e o preço do dólar subindo. É interessante notar que, nesse movimento, eles obtém lucros que não estão limitados à apreciação das ações, mas também, à depreciação do câmbio.

Imagine, a título de exemplo, os estrangeiros trazendo dólares para o Brasil durante os últimos meses de 2002, quando sua cotação chegou a atingir R$ 4,00. Com esses Reais, eles puderam adquirir ações quando o Ibovespa estava por volta de 8.500 pontos.

Cinco anos depois, com o Ibovespa já acima dos 70.000 pontos (portanto com ganhos de mais de 700% em reais), esses mesmos investidores poderiam vender suas ações (com polpudos ganhos em reais) e voltar a adquirir dólares. Só que dessa vez, pagariam apenas R$ 1,60 por cada dólar (que antes haviam vendido por R$ 4,00), ou seja, poderiam comprar pelo menos 2,5 vezes mais dólares do que em 2002. São praticamente duas operações em uma só, uma com ações, e outra com câmbio.

Foi então que comecei a atentar para a extrema importância de indexar os gráficos, primeiramente em dólares, e mais tarde em ouro, como comentei neste artigo sobre o Dow, e neste artigo sobre o Ibovespa.

O pulo do gato

O “pulo do gato” para mim foi entender que sempre que eu mantivesse minha carteira apontada na direção de um viés único, isso me forçaria a ter que acompanhar o mercado dia a dia em busca de tentar adivinhar o momento em que esse viés deixaria de predominar. Se eu não o fizesse, correria o risco de ver minha carteira derreter, exatamente como vi em 1997, durante o estouro da crise asiática, meu batismo de fogo no mercado financeiro. Ainda bem que eu não estava alavancado.

Desenho de menina sozinha na gangorra com cara triste

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Eu adoro o mercado financeiro, mas ficar preso a ele diariamente em busca de sinais de reversão de tendências sempre me pareceu um enorme desperdício de tempo. Existem coisas muito interessantes às quais também gosto de me dedicar, e, segundo dizem, “a vida é uma só”.

A dificuldade em detectar esses momentos de reversão de forma consistente ao longo dos anos torna essa atividade ainda mais estressante. Definitivamente, estressar-se não é um bom modo de usar nosso recurso mais precioso, o tempo.

Foi então que, aceitando minhas limitações em lidar com o imponderável, e relembrando do símbolo do TAO, resolvi brincar de gangorra da forma certa, e desenhei meu primeiro “modelo” rudimentar de alocação de ativos. Dividi meu portfólio em duas metades, uma delas alocada em ações (escolhidas a dedo com base em bons fundamentos), e a outra metade alocada em fundos cambiais atrelados ao dólar.

Ilustração de gráfico de pizza com Ibovespa e dólar compondo 50% cada

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A partir desse momento, comecei a observar uma dinâmica completamente diferente no portfólio. A volatilidade dele se reduziu drasticamente, não importando qual era a tendência predominante no momento. Se as ações subiam, o dólar caía, e vice-versa. Isso fazia com que o valor total da carteira aumentasse ou diminuísse com intensidade muito menor do que a que experimentei em 1997, e que me fez oscilar da euforia total, ao desespero total, em questão de poucas semanas.

A pergunta óbvia que todos me faziam era a mesma que deve estar despertando em sua mente bem agora: “-Mas qual a vantagem de montar uma carteira cujo valor total não se movimenta tanto com o movimento do mercado? Isso não dá em empate? Afinal, se você ganha de um lado, perde do outro. Isso não faz o mínimo sentido”.

Realmente, para fazer sentido, temos que nos aprofundar um pouquinho mais. Siga comigo.

Realocando seu portfólio

Se a percepção sobre o “hedge” imperfeito obtido com a alocação da carteira foi o impulso para cima no “pulo do gato”, a re-alocação foi o pouso do bichano, no chão firme.

Consulte novamente o gráfico com Ibovespa e dólar do início do artigo e perceba que, de um modo geral, enquanto um dos dois ativos se aprecia, o outro perde valor. Porém, nenhum desses dois ativos mencionados apresenta uma chance muito alta de perder 100% de seu valor. Ao mesmo tempo, ambos apresentam diversas chances de dobrar, triplicar, ou mesmo quadruplicar de valor ao longo do tempo.

Assim, enquanto um deles está em tendência de alta, oferecendo ao capital a chance de multiplicar-se várias vezes, o outro está se depreciando, com baixas chances de desaparecer da carteira. Em geral, os mercados de baixa mais fortes em ambos os ativos analisados apresentam cerca de 60% de perdas. Já os mercados de alta, podem apresentar muito mais de 100% em ganhos.

Vamos colocar isso em números para compreender melhor.

Digamos que ao alocar 50% em cada um dos dois ativos mencionados, montamos um portfólio de R$ 2.000.000,00, sendo que temos R$ 1.000.000,00 alocados em Ibovespa, e R$ 1.000.000,00 alocados em dólar. Depois de algum tempo, digamos que o Ibovespa se valorizou em 100%, enquanto o dólar caiu 50%.

Teríamos então os novos valores:

Alocados no Ibovespa: R$ 2.000.000,00 (um milhão mais 100% de valorização)

Alocados em dólares: R$ 500.000,00 (um milhão menos 50% de desvalorização)

Valor total da carteira: R$ 2.500.000,00 (25% de ganho nominal sobre o saldo inicial)

Neste caso hipotético acima, depois de obtermos 25% de rendimento nominal para o total do portfólio, percebemos que a alocação sofreu um desvio, e ficou da seguinte maneira:

Ilustração com gráfico de pizza mostrando Ibovespa com 80% e Dólar com 20%

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Com o equilíbrio do portfólio prejudicado pelo movimento do mercado, o gestor tem uma indicação de que é hora de se mexer. Afinal, se a bolsa começar a cair, suas perdas serão sentidas por 80% de sua carteira. De modo inverso, se o dólar começar a subir, apenas 20% dos ativos do portfólio apresentarão variação positiva. O que fazer?

Re-alocação de ativos, o “pouso” do gato

Hora de buscar o equilíbrio perdido.

Esse equilíbrio pode ser atingido VENDENDO parte dos ativos que subiram de preço (ações neste caso), e COMPRANDO mais dos ativos cujo preço caiu.

No caso do nosso exemplo acima, o gestor então passaria a vender seus excedentes em ações, e a adicionar posições em dólares, com o objetivo de fazer a alocação do seu portfólio retornar aos 50/50 originais. A esse movimento, chamamos de re-alocação de ativos.

Ao realizar essa re-alocação de ativos, o investidor estará vendendo ativos que subiram (portanto, realizando lucros nesses ativos), ao mesmo tempo em que estará reduzindo seu preço médio de compra nos ativos que caíram. Essa atitude vai melhorar os resultados em ambas as pontas.

De volta ao nosso exemplo hipotético, para buscar o equilíbrio perdido o gestor teria que vender ações que correspondam a 30% do valor total do portfólio, e usar esses recursos para adquirir mais dólares, a preços agora muito mais baixos do que o preço original, retornando a alocação para os 50/50 originais.

Ilustração com gráfico de pizza mostrando Ibovespa e Dólar com 50% cada um

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Agora, este investidor volta a ter seu portfólio equilibrado. Porém, ele já realizou diversos lucros em ações, e sua alocação em dólares agora apresenta um preço médio de aquisição muito inferior ao preço original.

Quando as tendências se inverterem, este portfólio passará a apresentar ganhos no dólar, e perdas na bolsa, em uma dinâmica inversa à que ocorreu anteriormente. Porém, agora, o dólar entrará mais cedo na zona de lucro, pois teve seu preço médio de compra reduzido.

Quando essa inversão de tendências ocorrer, o portfólio sofrerá um novo desequilíbrio em sua alocação, com a posição em dólares crescendo enquanto a posição em bolsa diminui. Neste momento, o gestor praticará novamente a re-alocação dos ativos, só que desta vez, vendendo dólares e adquirindo mais ações a preços mais descontados.

Ilustração de gráfico de pizza mostrando Ibovespa em 20% e Dólar em 80%

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Volte mais uma vez (e quantas forem preciso) ao gráfico do Ibovespa e do Dólar e perceba que nos momentos em que o dólar está extremamente valorizado, a bolsa oferece as melhores oportunidades de compra, e vice-versa. Porém, para poder aproveitar essas chances únicas, é preciso ter recursos à disposição.

Infelizmente, se você estiver 100% comprado em apenas um ativo que perdeu 60% do seu valor, você não poderá aproveitar essa chance. Mas se você estiver alocado em diversos ativos, sempre haverá algum deles apresentando ótimos resultados para que você os utilize nas compras que estão agora em oferta.

Esse modelo, portanto, oferece uma excelente proteção para o total do portfólio, ao mesmo tempo em que permite que os lucros surjam ao longo do tempo, mesmo se o gestor não for capaz de acertar o timing com precisão.

E assim segue a dinâmica de longo prazo, com o gestor podendo realizar lucros e acumular ativos depreciados, independente de qual tendência estiver predominando no mercado naquele momento. De repente, ele percebe que estará sempre comprando ativos na baixa e vendendo ativos na alta, independente de qual ativo estiver negociando.

É óbvio que os ganhos desse tipo de portfólio serão menores do que se você fosse capaz de adivinhar os movimentos futuros dos preços, e conseguisse pular de um lado pro outro na hora certa. Mas, seja honesto consigo mesmo, será que você é capaz de fazer isso com consistência ao longo de anos e anos? Se você souber como, pode ignorar o assunto alocação de ativos. Se não sabe, porém…

O lado positivo é que o portfólio está muito mais protegido de sofrer grandes perdas, daquelas que desestabilizam o gestor e o fazem perder sono, saúde e muito dinheiro. Se você já esteve na situação de estar 100% comprado em ações durante uma forte crise, como em 1997, 2002 ou 2008, sabe bem do que estamos falando.

E as outras classes de ativos?

O artigo de hoje serviu apenas para introduzir uma explicação simples da dinâmica da covariância na alocação de ativos. Essa dinâmica não é perfeita, pois a covariância dos ativos quase nunca é perfeita. Existem inclusive momentos onde os ativos caminham na mesma direção. Porém, mesmo nesses casos, a prática da re-alocação acaba trazendo ao portfólio um melhor equilíbrio dos riscos.

Quando inserimos também a classe de renda fixa no portfólio, conseguimos reduzir ainda mais a volatilidade total da carteira, e temos então mais uma fonte de recursos para serem re-alocados em outras classes, quando o portfólio se desequilibrar.

No próximo artigo, mostrarei como inserir a renda fixa na alocação do portfólio, e como subdividimos cada classe em diversos ativos, obtendo ainda mais estabilidade e segurança para o total do capital, ao mesmo tempo em que abrimos novas oportunidades de lucros nesses outros ativos. Falarei também sobre as diferentes opções de tomada de decisão quanto aos melhores momentos para realocar seu portfólio.

Mas e a especulação? Não vale a pena?

Lembre-se que aprender a alocar seu portfólio e estabilizar sua carteira protegendo-a de grandes perdas não significa que você não possa ou não deva realizar algumas apostas direcionais mais agressivas. Não, de jeito nenhum.

Apesar de advogar a favor do conservadorismo no que toca à gestão da maior parte do capital, eu defendo que uma parcela menor dele seja mantida disponível para que quando surja uma oportunidade especulativa, o gestor possa aproveitá-la. A questão é que essas oportunidades não surgem a todo momento, e ficar procurando por elas diariamente pode nos levar a cometer muitos erros.

Quem joga Poker sabe muito bem que os jogadores que entram em todas as mãos acabam saindo mais cedo da mesa, com os bolsos vazios. Os bons jogadores podem passar horas dispensando as mãos mais fracas, até que surja uma boa oportunidade de alavancar seus ganhos com apostas mais altas. Nenhum deles vai de “All-in” em todas as mãos.

Foto de uma mão segurando uma quadra de ases em um cassino

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Meu conselho: Aprenda primeiro a defender o grosso do seu capital.

A primeira regra para ganhar é aprender a não perder tudo logo de cara. Só depois, com seu capital protegido e trabalhando para você, procure aprender a operar de forma mais agressiva com uma pequena parte dele, calmamente, testando todas as teorias antes de colocar seu futuro financeiro em jogo.

Não queira passar pelo que eu passei em 1997, com 100% do meu capital em ações. Foi doloroso. Muito doloroso. Seja mais esperto do que eu fui naquela época, e aprenda com os erros alheios. Sabe por que?

A maior de todas as riquezas

Porque o TEMPO, meu amigo, é a sua única e verdadeira riqueza. Não existe NADA mais finito, mais escasso, do que o tempo. Todos nós iremos morrer um dia, e tudo o que levaremos dessa vida, serão as memórias do que vivemos.

Que memórias levaremos? Uma vida vivida com alegria, encanto, descobertas, viagens, diversão e bons momentos, ou uma vida de estresse e luta constante para enriquecer rapidamente, correndo o risco de terminarmos ainda mais pobres? Não desperdice o seu bem mais precioso sofrendo em frente a uma tela de cotações e perdendo dinheiro. Keep it simple.

O dinheiro é um ótimo escravo, mas um péssimo mestre. Deixe que ele trabalhe para você, e não o contrário. Pense nas vantagens de adotar um bom modelo de alocação de ativos, e aproveite melhor o seu tempo, cantando, dançando, viajando e aproveitando a vida.

Aproveite inclusive, para dormir bem, principalmente naqueles momentos em que todos perdem o sono, quando o Ibovespa está despencando 60% ou 70% em um único mês. Ah, isso não tem preço.

Se eu soubesse disso em 1997…

E no que consiste então o “Graal” dos investimentos bem sucedidos?

Bem, todo mundo sabe repetir o mantra: “-O segredo para ganhar no mercado financeiro é comprar na baixa e vender na alta.”

O que poucos sabem é COMO fazer isso, com consistência, ao longo de muitos anos, sem que seja preciso passar o resto da vida desperdiçando seu tempo grudado a uma tela de cotações, tentando adivinhar o futuro.

Mas agora, VOCÊ SABE.

Seja legal com os outros, e divulgue.

Abraço.