(Artigo publicado originalmente em O Ponto Base, em 7 de Abril de 2013)

Ainda dá tempo de comprar ouro?

Essa tem sido uma das perguntas mais recorrentes com as quais sou confrontado quase que diariamente nos últimos meses. Quando comecei a defender a compra do metal, ainda nos idos de 2002/2003 em minha coluna na Revista Timing, a reação das pessoas era de total incredulidade.

-Ouro? Mas por que ouro? Uma relíquia bárbara. Não rende juros. O preço só cai. Não paga dividendos. – Assim dizia o senso comum. Mas o senso comum, quase sempre, é o último a se adequar à realidade e, quando o faz, é também quase sempre tarde demais.

De lá pra cá, esse foi o resultado:

Gráfico mostrando forte alta do ouro entre 2001 e 2013

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Por conta desse enorme e consistente rally, o interesse das pessoas aumentou bastante de lá pra cá, a ponto de hoje o assunto ser corriqueiro nas rodas de investimento, e até em conversas de outsiders. Mas mudou também por conta da crescente conscientização das pessoas sobre os desmandos monetários que vêm sendo perpetrados pelos bancos centrais ao redor do globo. Nunca antes tinha visto tantas pessoas comentando, discutindo e entendendo enfim, a natureza da moeda.

Sim, ouro é moeda. Também é commodity, claro, pois tem uso industrial, mas entre todas as commodities, sempre foi a que melhor se prestou ao uso como moeda. Não vou repetir aqui as razões do ouro ser considerado há milhares de anos, por todos os povos, como o melhor representante do valor atribuído ao dinheiro. Existe farto material sobre o assunto por aí. Hoje vou me ater à tentar responder à pergunta título deste artigo.

E já respondo de antemão, antes de desenvolver: Sim, sempre dá tempo de comprar ouro. Com a seguinte ressalva: O único cuidado que devemos ter, e isso não apenas com o ouro, mas com qualquer outra coisa que desejemos adquirir, é entender bem quais são as razões pelas quais desejamos fazê-lo, e o que pretendemos obter com isso.

A minha impressão inicial quando escuto a pergunta formulada desse modo, é de que as pessoas que a fazem estão preocupadas em ganhar dinheiro com a variação dos preços do metal. Sim, porque a inserção da variável “tempo” na questão, mostra uma preocupação com o timing. Será que não subiu demais? Ainda tem potencial de alta?

Se for esse o caso, é melhor repensar, afinal, ele já subiu bastante, e lucrar com a variação dos preços de um ativo é algo que pode ser feito com qualquer ativo disponível no mercado. Além disso, o ouro é um dos ativos que oferecem as condições mais difíceis para se operar especulativamente no Brasil. Poucos canais de troca, um mercado restrito, liquidez relativamente baixa, custos elevados, tudo conspira para que negociar com o metal seja uma atividade restrita a poucos.

Então, qual é a questão com o ouro? Por que tanta expectativa em relação ao metal?

Bem, o ouro é o único tipo de moeda que não pode ser inflacionado pelos bancos centrais. É justamente por conta disso que seu valor tem se preservado ao longo do tempo, enquanto as moedas perdem valor aceleradamente. Como retirar ouro do solo é custoso, e não há abundância de novas minas, a escassez relativa do metal faz com que seu valor mantenha-se preservado ao longo do tempo. A alta nos preços que vimos nos últimos anos, e que é visível nos gráficos desta página, pode ser interpretada mais como uma forte perda de valor (e confiança) nas próprias moedas nas quais o metal é cotado, do que por um aumento real de seu valor.

Gráfico mostrando forte alta do ouro BM&F entre 1998 e 2013

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Então, o ouro em um portfólio de investimentos faz muito mais sentido como um lastro de valor real, do que como ativo especulativo. É claro que ele também pode ser utilizado como ativo especulativo, afinal, seu preço varia, mas como já dito anteriormente, existem outros ativos com muito maior liquidez e facilidade de negociação que se prestam melhor a esse papel.

O ouro em um portfólio serve também (e principalmente) como um seguro contra catástrofes financeiras.

Vivemos hoje sob um sistema financeiro que balança há alguns anos à beira do colapso. Enormes bolhas e maus investimentos gerados por décadas de políticas monetárias frouxas e equivocadas colocam, talvez pela primeira vez na história humana, todo o sistema financeiro internacional em risco.

Desde o estouro da bolha da Nasdaq, no ano 2000, o sistema financeiro vem se equilibrando em uma corda bamba, e uma profunda depressão econômica que colocaria a da década de 30 no chinelo vem sendo “evitada” às custas de novas rodadas de aumento da base monetária e de crédito fácil, justamente os mesmos fatores responsáveis por terem gerado a crise em primeira instância.

Nos Estados Unidos, o estouro da bolha da Nasdaq foi combatido com a criação de uma bolha imobiliária e de crédito, que por sua vez, estourou em 2008, levando à lona grandes bancos e colocando todo o sistema à beira do colapso. A resposta das autoridades foi a mesma: Acelerar a impressão e a distribuição de dinheiro e de crédito farto e barato.

Com isso, neste exato momento, novas bolhas estão sendo infladas em outros mercados, todas alimentadas com a abundante oferta de dinheiro novo, ainda que isso se assemelhe a tentativa de apagar um incêndio jogando gasolina sobre as chamas. Segundo reza a lenda, Einstein teria dito que a melhor definição de insanidade é “…continuar fazendo as coisas do mesmo jeito, esperando atingir resultados diferentes”. Parece que os responsáveis pela política monetária ou desconhecem essa definição, ou são mesmo insanos.

A expansão dos emergentes “BRICS”, e de outros países que ainda não atingiram um grau de produtividade compatível com o dos países desenvolvidos, vem sendo, em grande parte, financiada com esse dinheiro novo criado pelos bancos centrais, e com a ajuda de outros incentivos ao consumo, no maior episódio de intervenção estatal da história.

Por conta disso, os mercados ganharam intensa volatilidade em comparação com o passado, e temos presenciado valorizações quase absurdas em alguns segmentos, como nas commodities há alguns anos, e mais recentemente, no mercado imobiliário brasileiro, apenas para citar dois exemplos.

Se esses movimentos são sustentáveis ou não, é conversa para outro artigo. O fato é que no meio de tanta intervenção, fica complicado mensurar o valor real dos ativos, e alguém que aposte, por exemplo, que os imóveis no Brasil continuarão subindo para sempre, pode se surpreender tanto quanto os americanos se surpreenderam em 2007/2008.

No entanto, ao longo de todo esse percurso, o ouro tem sido o ativo que se manteve em firme tendência de alta, sem sofrer nenhum crash brutal, apesar de, em alguns momentos, se comportar também com alta volatilidade. E isso tem ocorrido por uma razão muito simples.

Ouro é dinheiro. Mas é um tipo diferente de dinheiro. É um dinheiro que além de ser conversível em todo o planeta, não pode ser inflacionado, e ainda pode ser mantido fora do sistema financeiro, como um seguro contra um colapso do mesmo. Isso faz com que o metal seja visto como uma proteção natural contra a desvalorização da moeda, e contra o colapso financeiro que pode advir dela.

Se a razão que o leva a querer adquirir ouro é a compreensão desse fator, então nunca é tarde para alocar uma parcela do seu portfólio no metal. De 5% a 25%, dependendo de seu grau de tolerância ao risco, já oferecem à sua carteira uma boa proteção contra o risco de caos sistêmico. Obviamente, se essa é a sua intenção, boa parte desse ouro deve ser alocado fora do mercado, ou seja, não em papéis ou títulos, mas em espécie. Afinal, em meio a um caos sistêmico, não há garantias de que os contratos venham a ser honrados.

Uma vez tendo adquirido o ouro para o seu portfólio dentro dessa visão, esqueça suas cotações. Esqueça de ficar acompanhando as variações de preços diariamente, como se procurando um bom momento para vender. O ouro em espécie em um portfólio funciona como um seguro. Se tudo o mais vier abaixo, ele ainda estará lá e provavelmente, terá mantido seu valor.

É curioso notar que muitas pessoas entendam a importância de adquirir um seguro para sua residência ou para seu automóvel, mas pouquíssimas pensam em adquirir um seguro para o seu capital. E a diferença é que este seguro não precisa ser renovado todo ano. Uma vez adquirido, ele é vitalício, independente do preço cair ou subir.

Neste exato momento, o ouro está atravessando uma tendência de baixa de curto e de médio prazo, algo bastante natural e saudável para um ativo que se valorizou tanto nos últimos anos. Isso traz boas oportunidades para aquisição do metal ao longo das próximas semanas e meses, principalmente se ela for feita com horizonte de longo prazo, com a ajuda da técnica de cost-averaging (preço médio).

No próximo artigo, explicarei exatamente no que consiste essa técnica fundamental para uma boa gestão de longo prazo, mostrando qual a melhor maneira de utilizá-la, e qual a maneira de não utilizá-la, de modo que você possa praticá-la na aquisição não apenas do metal, mas de qualquer ativo que deseje acumular e manter para o longo prazo. Fique ligado.

Enquanto isso, pesquise mais sobre o ouro, suas formas de negociação, sua história e suas características como ativo, para ter certeza de que entendeu bem as razões pelas quais faz todo sentido manter uma parcela do seu portfólio alocada no metal.

Algumas das maiores famílias de banqueiros que sobreviveram às seguidas crises, preservando sua riqueza e ainda lucrando em meio ao caos, o fizeram por manter significativas parcelas de seu capital em ouro, e o fizeram porque conheciam as características que o diferenciam do resto das moedas.

A posse de ouro jamais arruinou alguém. Já da sua falta, não podemos dizer o mesmo.

E vale a pena se lembrar sempre da máxima atribuída a John Pierpont Morgan:

“ – Ouro é dinheiro. Todo o resto é crédito. ”

Um abraço.